segunda-feira, 4 de maio de 2015

O Circo da Noite - Erin Morgenstein



MORGENSTEIN, Erin. O Circo da Noite. Tradução de Claudio Carina.Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2012. 368 páginas.

Acabo a última página do livro e o cheiro de caramelo ainda está no ar... Bom, não posso dizer que coloco o livro de lado, pois li pelo iPad. O primeiro livro de literatura que me aventurei através do fio da tecnologia. Confesso que achei estranho a princípio. Aqueles percentuais dizendo o quanto eu li, e não o passar de páginas marcadas por um marca página especial. Mas, afinal, a história se mostrou tão envolvente que o meio se tornou apenas um detalhe.

Tomei conhecimento do livro no ano de seu lançamento pela editora. Foi meu pai o primeiro a ler e me recomendar a leitura. Deu de presente para a minha avó e comentou ter adorado. Segui seu conselho e dei de presente pra uma amiga, mas até duas semanas atrás não tinha resolvido me aventurar por suas páginas. A capa, que apaixonou muitos leitores, não me conquistou. Fato é que um dia me deparei diante de uma longa espera e nenhum livro à vista para ler. Foi quando descobri que este estava no acervo virtual e iniciei a leitura.

As linhas do livro nos conta a história de um circo diferente. Especial. Ele é fruto de um duelo travado anos antes da sua existência. Um jogo, dois rivais, várias peças, um amor. Mágicos e mágicas, ilusionistas, contorcionistas, videntes. Um mundo de magia envolto em cores, sons, sabores e cheiros. Uma descrição tão fantástica que nos transporta, de fato, para aquele circo, que acabou me lembrando muito... a nossa própria vida. Mas isso está nas entrelinhas. 

O livro é contado através da visão dos diferentes personagens. Vai e volta no tempo algumas boas vezes. A maioria dos capítulos são curtos, o que fez com que a história demorasse a fluir, acredito. O início é um pouco lento, mas ao mesmo tempo acionou o botão da curiosidade para saber o que estava por detrás de tanto mistério, de tanta mágica e tanto burburinho em torno de um circo todo especial. 

O livro gira em torno de alguns personagens principais. De um lado eu colocaria Próspero, o Mágico, e Alexander, o homem do terno cinza. De outro, Celia, a filha de Próspero, e Marco, o garoto escolhido por Alexander para enfrentar o duelo. Por fim, todos aqueles que se ligam ao circo: Bailey, o garoto que acaba tendo seu futuro definido pelo circo, os excêntricos patrocinadores do circo, os fãs (os rêveurs), os artistas.

Não sei se essa é uma leitura comum para os leitores do livro, mas a magia ali retratada é um tanto quanto diferente das magias de Harry Potter ou Senhor dos Anéis (sou fã de ambos também, diga-se de passagem). Não li a magia do les Cirque des Rêves como uma magia de outro mundo, distante do nosso. Mas como a magia do nosso mundo, disfarçada por olhos desatentos, olhos que não querem ver. É o que diz Próspero, o Mágico, em determinado momento, para sua filha Celia:

"As pessoas veem o que querem ver. E, na maioria das vezes, o que dizem para elas verem." (p. 29)

E essa é uma ideia que persiste no livro: 

"Duvido. As pessoas só veem o que querem ver" (p. 159).
"... isso não é magia. É a forma como o mundo é, só que poucas pessoas arranjam tempo para parar e observar". (p. 378)

 E não é verdade? Acredito muito nisto. 

Então, na verdade, não é aquela magia que "os trouxas" não podem saber da existência. É a magia que está entre nós e que podemos ver, se quisermos. Não posso deixar de lembrar um pouco de Dawkins, em seu livro "Deus, um delírio", e de suas várias e belas palavras sobre a magia do universo e da vida na terra. Estarmos aqui já é um milagre, independentemente de deuses, diz ele. 

E toda essa magia que não queremos ver vem acompanhada de ideologias de mundo contrastantes, representadas por Próspero e Alexander: "Duas escolas de pensamento colocadas uma contra a outra, funcionando no mesmo ambiente". É assim, que Alexander acaba descrevendo, já ao final do livro: 

"... muito tempo atrás, um de meus primeiros alunos e eu tivemos um desacordo quanto aos caminhos do mundo, sobre permanência e resistência e tempo..." (p. 375)

Próspero, que acreditava em pessoas especiais, em habilidades inatas, que precisavam apenas de aprimoramento e treino. Já Alexander, que acreditava no potencial através do estudo, técnicas e fórmulas precisas que poderiam estar ao alcance de todo mundo. E, isto, claro, refletido em seus pupilos. E eles "lutam por procuração", como afirma em certo momento Celia ao seu pai, "porque são covardes demais para se desafiarem diretamente". E completa: "Têm medo de fracassarem e não terem nada a culpar a não ser a si mesmos". Ora, ora, e não estamos diante de outro dilema da humanidade? Já dizia Sartre que "somos responsáveis pelo que somos", mas adoramos colocar a culpa de nossos erros em qualquer coisa fora de nós: destino, família, religião, etc. Não concordo inteiramente com a teoria existencialista de Sartre, mas em algum termo faz sentido para mim.

Mas porque já falei tanto, de tanta coisa, e tão pouco sobre a história e o Cirque des Rêves? Porque pra mim toda a história foi uma bela metáfora das nossas próprias singularidades. Contada de uma forma belíssima, aliás. A autora faz uma descrição minuciosa dos cheiros, das cores, dos sabores. Nos enebriamos com toda aquela profusão de sentidos. E podemos sentir, de verdade. Me vi entrando em todas aquelas tendas e vendo todas aquelas maravilhas. Afinal, não são as nossas experiências de vida como essas maravilhosas tendas? Surpresas, sempre surpresas. 

O romance entre Celia e Marco é uma magia em especial. Li algumas críticas um tanto quanto decepcionadas pelo desenrolar do romance. Eu, particularmente, não mudaria nada. Não li o livro esperando uma história de amor. Mas ali foi construído um romance tênue, delicado e envolto a uma tensão da impossibilidade... afinal, a paixão não se alimenta de impossibilidades? Li isto recentemente em algum livro emprestado: a paixão só existe quando não pode existir. Depois que a possibilidade se instala abre-se lugar para o amor. Mas a paixão está ali: nas impossibilidades da vida. 

Entre magias e impossibilidades, ali estão cravadas reflexões sobre a nossa própria existência. Bom, eu adoro ler as entrelinhas. Afinal, será que as entrelinhas existem ou são fruto da nossa imaginação? Nós mesmos, atuando como criadores na criação alheia? Seja como for, fico com o controverso Próspero: "Afinal, existem muitas formas de magia." E chego ao fim, com uma linha, que bem poderia ser uma entrelinha:

"As buscas carecem de clareza, objetivos e caminhos... e nunca há finais, felizes ou não. A coisas continuam, sobrepondo-se e se confundindo..." (p. 375)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros (Seth Grahame-Smith)

GRAHAME-SMITH, Seth. Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2010.

"Fatos

1. Por mais de 250 anos, entre 1607 e 1865, os vampiros floresceram nas sombras da América. Raros eram os humanos que acreditavam neles.

2. Abraham Lincoln, que foi um talentoso caçador de vampiros de seu tempo, manteve um diário secreto sobre uma vida inteira dedicada a combatê-los.

3. Durante muito tempo, rumores a respeito da existência desse diário foram um dos temas prediletos dos historiadores e biógrafos de Lincoln. A maioria deles considera tudo isso um mito."

Assim tem início o livro. Sim, um mito que Seth Grahame-Smith resolveu quebrar em 2010, quase um ano após ter ele próprio tomado conhecimento dos estranhos fatos que envolveram a vida do 7º presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln. E é exatamente desta forma que se inicia o primeiro capítulo do livro: o próprio autor se torna personagem para justificar o tema do seu romance. Na verdade não foi um lampejo da imaginação, mas uma incumbência recebida de Henry Sturges, um vampiro que se tornou um grande amigo de Abraham, um vampiro diferente da maioria.
 
A vida de Abe tem cheiro de morte. A primeira de todas foi a que determinou a sua história: a morte da sua mãe Nancy Hanks. A princípio sua causa foi considerada inexplicável (como muitas na época, em verdade). Anos depois, entretanto, Abe soube o verdadeiro motivo através do seu próprio pai: vampiros. Desde então a luta contra estes seres não-humanos (ou mortos-vivos, como chamava Abe), tornou-se seu objetivo de vida.
 
Uma das fotos que ilustra o livro e que colaboram para formar um fundo grotescamente real à história. As fotos são reais, porém modificadas no Photoshop.

Os vampiros do relato de Seth Grahame-Smith não são exatamente como aqueles que estamos costumados a ouvir falar. Algumas características, claro, permanecem as mesmas: sensibilidade à escuridão, presas. Mas, diferente das outras histórias, aqui eles vivem entre nós e se passam por pessoas normais, apesar de suas características um tanto peculiares: são seres extremamente pálidos e de estatura pequena. E o mais importante: “fadados” à vida eterna.
 
Falo da vida eterna como um fado, pois ao contrário daqueles que almejavam encontrar a “Pedra Filosofal”, não vejo com bons olhos a vida sem perspectivas de fim, na trilha daquilo que Stephen King estampou com maestria em seu livro À espera de um milagre. Também aqui encontramos o mesmo pensamento, vindo de Henry, o amigo de Abe: “Os homens vivem presos pelo tempo – disse ele. – Assim, a vida deles possui urgência. O que lhes dá ambição. Faz com que escolham as coisas mais importantes; apeguem-se mais firmemente ao que lhes é mais caro. A vida tem estações, ritos de passagem e consequências. E, enfim, fim. Mas o que é uma vida sem urgência? Onde está a ambição? E o amor?
 
Henry, apesar da sua condição eterna, é um vampiro que consegue fugir da sua essência natural. Henry, creio eu, representa nós mesmos: seres humanos, animais, que, com a racionalidade, superam os brutos instintos. Superam e sentem, em sua vida, a urgência da vida. Mas, claro, nem todos os seres humanos superam os instintos animais. Nem todos os seres humanos atravessam a vida com “vida”. São esses “vampiros” fadados à sua natureza que Henry combate, com a ajuda do seu fiel caçador, Abraham Lincoln.

A luta contra a escravidão, medalha que carrega o 7º presidente dos Estados Unidos, foi, na verdade, uma luta contra os vampiros. Uma luta contra aqueles seres (nós ou eles?) que se alimentavam da força de seres em condições fáticas inferiores. Foi uma libertação da condição mais bruta do ser humano. Sim, acho que foi isso que Seth Grahame-Smith quis estampar nas 330 páginas que compõem seu livro: um retrato de alguns integrantes da humanidade.

O Autor já é famoso por mesclar realidade com fantasia. Seu primeiro livro famoso foi Orgulho e Preconceito e zumbis (que, admito, observei não sem preconceito). Mas, se por um momento as sombras do preconceito podem passar à frente das mentes mais desavisadas, a verdade é que a fantasia é somente uma figura de linguagem para se contar uma realidade. Como escreveu meu querido pai, de quem ganhei o livro de presente de aniversário, e que recheou meu exemplar com uma bela dedicatória: “A vontade movida pelo desejo muitas vezes encontra o caminho da ficção para a sua realização. Os símbolos e os mitos podem não ser reais, mas moldados pela imaginação constroem histórias que, por vezes, forjam a vontade para a criação de novas realidades.”

O veredicto, enfim, é uma boa obra. Não sou fã de histórias de vampiros, mas sou fã de magia e ficção. Elas sempre têm o pano de fundo da realidade, com fantasias coloridas. Seth Grahame-Smith, no entanto, foi além ao nos fazer praticamente acreditar em vampiros. Cheguei a jogar no google "Abraham Lincoln e vampiros", no afã de descobrir algum boato obscuro que de fato corria em torno no emblemático ícone americano. Isto porque o livro é recheado de fotos da época, a maioria de Lincoln, que foram meticulosamente alteradas no Photoshop para incluir machados, óculos escuros e até mesmo para criar uma foto de Abe com Edgar Allan Poe, seu amigo no livro. Tenho que confessar que nunca sonhei tanto com vampiros como nestes dias.


No mais, em breve a história estará nas telas do cinema, em produção de ninguém menos, ninguém mais, que Tim Burton (Alice no País das Maravilhas). Esperemos até lá!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Castelo nos Pirineus - Jostein Gaarder



O Castelo dos Pirineus/Jostein Gaarder; tradução Luiz Antônio de Araújo. - São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 184 páginas.

Jostein Gaarder é um autor que povoa a minha vida literária de forma intensa. O primeiro livro que li da sua autoria foi "Ei, tem alguém aí?", aos 10 anos de idade. Gostei tanto que fiz a propaganda entre amigas, dei de presente... e esse foi o início de uma paixão. De lá pra cá passei a colecionar seus livros e a esperar ansiosamente por obras novas. Era com deleite que pensava em começar a ler um livro dele, algo como pensar em férias em uma praia paradisíaca. Ocupam a minha estante de livros especiais: "O Mundo de Sofia" (1995), "Maya" (2000), "O Pássaro Raro" (2001), "O Vendedor de Histórias" (2004), "A Garota das Laranjas" (2005), "Ei, tem alguém aí?" (1997), "A Biblioteca Mágica de Bibbi Bokken" (2003), "Através do Espelho" (1998) e "O Dia do Curinga" (1996).

Posso dizer que especialmente "Maya" e "O Dia do Coringa", para não cair no clichê de falar em "O Mundo de Sofia", foram os que mais me marcaram. Posso sentir o cheiro e o paladar de suas leituras.

"O Castelo nos Pirineus" entrou para a lista dos especiais, sem dúvidas. Tinha já alguns anos que não lia nenhum livro de Jostein, de modo que já tinha até esquecido o gosto especial da sua leitura. Ganhei em Janeiro de presente de Toni, incentivado pela minha coleção a conhecer um pouco da sua obra. Leu e me deu, com a seguinte dedicatória: Adorei o livro e espero ler outras obras dele. Mas o lugar deste livro é na sua estante, na sua coleção! Te amo! 12.01.11. Hoje, agradeço publicamente: Obrigada, momor!

O nome do livro, bem como a imagem da sua capa, foram pegos emprestados da obra da artista plástica René Margritte, Le Château des Pyrénées, que apresenta um imenso rochedo pairando na paisagem, tendo em seu topo, um castelo. Tal figura representa exatamente o ponto central da discussão do livro: o improvável.

O livro é composto por e-mails trocados por Solrun e Steinn, antigos namorados que se encontram após 30 anos sem se ver. Cada um seguiu sua vida, casaram e tiveram filhos. Quando se reencontram e passam a se comunicar, tentam entender aquilo que os separou: suas concepções bastante diversas acerca do mundo. Solrun acredita na espiritualidade e na intuição e Steinn na ciência e na razão. O livro é um verdadeiro debate acerca das duas visões de mundo, recheado com episódios fictícios vividos por ambos na juventude.

Claro, a filosofia é o tema central do livro. E não poderia ser diferente. A filosofia e a ciência são os personagens principais de toda a obra de Jostein. O seu livro mais conhecido, "O Mundo de Sofia", o qual, diga-se de passagem, é o mais didático (conta a história da filosofia no mundo), deixa evidente seu animus de escrever. Em entrevista recente, creio que ao site da Companhia das Letras, ele disse que existem dois tipos de escritores: aqueles que escrevem pelo amor à linguagem, e aqueles que escrevem por terem uma mensagem a passar. Ele se auto-enquadrou no segundo grupo. 

É um fato inegável. Em todos os seus livros ele tenta despertar os "por quês" que jazem por detrás da vida e do universo. Como uma discípula fiel às idéias de meu pai, eu amo filosofia, então creio que sempre tive uma pré-disposição nata a gostar da obra de Jostein. O fato dele inserir a filosofia dentro de uma obra ficcional, ambientada em meio às paisagens idílicas da Noruega, tornam a leitura ainda mais saborosa.

Minha coleção.
Além da temática, amo o modo como ele brinca com os personagens e o modo como seus livros se comunicam. Os personagens fogem de um livro a outro, encontram vida em outras histórias e, de certa forma vivem. Será que planejam uma insurgência, assim como planejou Sofia? Quem sabe... O certo é que Jostein, dentro do mundo da sua obra, é o Criador. 

E que se faça a luz! 

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Casa Verde - Mario Vargas Llosa

VARGAS LLOSA, Mario. A Casa Verde; tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

Título original: La Casa Verde
Ano de publicação: 1967

Uma pequena mudança no blog para agregar uma paixão que não tinha por quê ser deixada de lado. Na verdade, foi minha primeira paixão artística. Surgiu aos 5, 6 anos de idade quando lia Ziraldo (As viagens de L, O Menino Maluquinho, Uma professora muito Maluquinha) e Monteiro Lobato (colação inteira que ganhei de presente da mamãe), passando por Jostein Garden, Maurice Druon, José Mauro de Vasconcelos (Meu pé de laranja lima), Adelaide Carraro, J. K. Rowling (claro!), deentre tantos outros autores que marcaram a minha vida. Sim, se penso em uma fase de minha vida, lembro de um livro. Os livros são minha terapia, meu lazer e minha paixão.

Pois bem: ao livro, agora! Em primeiro lugar, devo dizer que esta experiência literária foi graças ao meu namorado Toni, que me deu o livro de presente de Natal. Populismo do amor, pai? =) Não fique com ciúmes! kkk ...

A Casa Verde foi o segundo romance de Llosa, precedido somente pelo primogênito A cidade e os cachorros (1963). É um romance ousado, para não dizer ambicioso. Como a maioria dos seus livros, a história se passa no Peru. Se trago esta informação, não é porque se trata de um mero dado geográfico, mas porque o país é mais do que o espaço onde se passa a história. Posso dizer que o Peru, e mais precisamente, Piura e Iquitos, são personagens da história. Para se ter uma idéia, um mapa da região marca o início do romance.

Talvez o breve apanhado que é delineado atrás do livro crie expectativas acerca de uma história diferente. É que lá é citada apenas uma das várias histórias que se entrelaçam no livro: a da primeira Casa Verde, criada por Dom Anselmo. Traduzindo: um puteiro que é criado na cidade de Piura, quando esta ainda era uma pacato vilarejo. Confesso que imaginei, à primeira vista, se tratar de um romance pitoresco ambientado todo no ambiente do puteiro. Mas o romance é muito mais rico.

Llosa vai além da luxúria e dos desejos humanos. Nas 404 páginas podemos enxergar um retrato nú e cru daquela região: as missões de colonização dos "selvagens" (nativos da região, os pagãos), a máfia dos traficantes de latex e couro, índios aguarunas, huambisas e shapras, a urbanização de Piura e Iquitos, e, claro, o choque entre a população conservadora e toda aquela panacéia de vida.

Tudo isso surge de uma forma, digamos, nada simples. As histórias se entrelaçam de forma desordenada no tempo e no espaço. Você lê uma coisa para só depois entender o porquê. Nos parágrafos se misturam diálogos, pensamentos e lembranças. É um ritmo quase cinematográfico. Esta característica teve inspiração, segundo o próprio Llosa admite no prólogo do livro, nas leituras de William Faulkner.

Para quem leu Travessuras da Menina Má e amou sua leitura, deixo logo o aviso que em A Casa Verde a coisa é bem diferente! Nada de história linear e diálogos bem arranjados. Mas, claro, é um romance muito mais elaborado e profundo. Saio desta história como se tivesse passado uma aventura na Amazônia, quase sinto o cheiro da selva e por pouco não vislumbro no horizonte a famosa Casa Verde.


Recomendo a leitura acompanhada de tempo. Isto porque é um livro que se deve mergulhar de cabeça e ler rápido. Não foi o meu caso, admito. O perigo da falta de tempo é se perder na história. Ainda bem que consegui me encontrar! Valeu a pena... o livro está um pouco castigado, tendo recebido até um inusitado banho de mar, mas com certeza foi muito vivido.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Howl

Diretores: Epstein e Friedman
Ano: 2010




Howl retrata uma fase do poeta Gingsberg, após o lançamento da sua obra homônima - Howl, quando foi acusado de obscenidade. Na verdade o processo foi movido contra o dono da editora que o publicou e o filme se desenrola entre os diálogos no Tribunal, um relato do próprio Gingsberg acerca da sua obra, seguida de reflexões sobre a repercussão da mesma, e cenas da sua própria vida. Entre estes pontos, partes de Howl são declamadas, seguidas de animações que transpõe a letra escrita para a linguagem visual.

Sem sombra de dúvidas, as animações merecem um destaque especial. O trabalho foi de Erick Drooker, que em parceria com os diretores Esptein e Friedman, deram ao filme um toque surreal, ouso dizer.



Gingsberg foi um dos expoentes da geração Beat norte-americana, fruto de uma sociedade que queria ser perfeita, esmagando as ambivalências. Mas estas, uma hora ou outra acabam vindo à tona, e com ferocidade. No caso de Gingsberg, sua homossexualidade foi o centro da sua pluralidade e, por isso, seu grito. Talvez em virtude isto sua poesia tenha uma conotação tão sexual, por ter sido o ponto de ebulição da sua divergência.

James Franco como Gingsberg também fez um excelente trabalho, principalmente nas cenas em que faz as reflexões sobre a obra. Parece que estamos de frente com o poeta, a pensar cada palavra dita, refletindo, sem roteiro.

No mais, vale o destaque para o fato de ser a primeira ficção dos diretores Esptein e Friedman, diretores do documentário The Celulloid Closet, de 1995.




domingo, 4 de julho de 2010

Quincas Berro d'Água

Direção: Sérgio Machado


Ver uma adaptação de um livro para o cinema é algo que eu achava que não tinha mistério. Hoje, vejo que é algo que ainda estou a aprender. Na verdade, começo a entender que ver o cinema não é algo tão óbvio como à primeira vista pode parecer ser. É preciso entender que o filme é uma linguagem e, sendo assim, devemos saber ler seus signos: câmaras, figurino, luz, angulações, interpretações. 

Ao entender que o cinema é uma linguagem própria, que não se confunde com a literatura ou as artes plásticas, é possível entender uma adaptação de uma obra literária para o cinema sem cair nas óbvias comparações: "tirou isso", "inventou aquilo". Sim, até pouco tempo atrás, ao ir ao cinema ver uma adaptação, eu esperava ver nas telas o mundo criado pela minha mente ao ler o livro. Não entendia que ao passar de uma linguagem para outra abre-se ao diretor e ao roteirista uma possibilidade inventiva. Adaptar não significa traduzir.

Sem mais delongas, passo ao filme...   


Antes de mais nada, o filme é uma adaptação da obra do escritor baiano Jorge Amado, qual seja o livro "a morte e a morte de quincas berro dágua", escrito em 1961 como uma crítica à sociedade burguesa da época. Apesar da data é incrível constatar que a obra é incrivelmente atual, em todos os sentidos. Vale ressaltar que a repetição do nome no título não se dá por acaso: representa as duas mortes de quincas, tão controversa na cidade de Salvador. Arrisco em dizer que a omissão deste detalhe no título do filme tem a ver com uma própria adaptação da história, já que para mim o Quincas do livro era um pouco mais vivo do que o do filme, se é que isso existe.

O personagem teve duas personalidades em vida: nasceu Joaquim Soares da Cunha e morreu Quincas Berro Dágua. O primeiro era um pai de família responsável, funcionário público por toda a vida (ou quase). O segundo era o primeiro que, ao ser aposentado de seu cargo de funcionário público, e não mais suportando o ambiente em que vivia, principalmente sua mulher (jararaca), foi-se embora com a roupa do corpo rumo às ruas da Bahia, tornando-se então o rei dos vagabundos, o maior cachaceiro que aquelas terras baianas já conheceram. E assim morreu, no exato dia em que iria completar 72 anos.

Já de início se percebe as incursões de Sérgio Machado no romance: o quincas de Jorge Amado já nos aparece morto. No filme, flagramos ele em seus últimos momentos: enquanto todos preparam sua festa, ele se arrasta até o apartamento em que vive e lá morre, solitário, em sua cama imunda. De longe não era uma morte digna do ícone da vagabundagem baiana. A família que um dia conviveu com José Soares da Cunha, diante daquela notícia desagradável, se viu obrigada a dar conta do morto, com extrema discrição, claro, afinal muitas foram as histórias inventadas para as pessoas do seu convício social em virtude do seu sumiço. Dentre tantas, obviamente não estaria a de ter virado cachaceiro. Optando por um discreto velório, no próprio quarto do morto, a família se vê obrigada a dividir o pequeno espaço com os novos amigos de Quincas, ou melhor, de José Soares da Cunha.

Ocorre que o velório teve seu fim antes do esperado. Tendo a família se descuidado no cuidado do morto, os amigos, que não haviam se convencido da morte do amigo e certos que estava Quincas a lhes pregar uma peça, o levam embora carregado e a bons goles de cachaça. Quando a família se dá conta do ocorrido procura a polícia e daí se inicia uma cômica perseguição pelas ruas do pelourinho. 

Analisando o filme como um todo, creio que Sérgio Machado captou bem o espírito de Jorge Amado. Suas incursões na história fazem com que transpareça a alma do escritor. Não há no livro qualquer vestígio a cerca da incansável busca da família para resgatar o corpo, nem tampouco do candomblé. A família aparece até abandonar o corpo no quartinho imundo em que se passava o velório e tchau. Mas a partir de tais incursões podemos observar pontos fundamentais das obras de Jorge Amado, como a hierarquia que perpassa as relações sociais (delegado e parentes do morto), sensualidade e desejo reprimidos em virtude das convenções sociais (Vanda - Mariana Ximenes e Leonardo - Vladmir Brichta), a grande admiração pelas putas (Manuela - Marieta Severo).

As intervenções foram muitas, mas todas para traduzir não só a história a que se propusera a contar, mas para traduzir todo um espírito por detrás do criador originário. Assim, fugindo do meu comportamento habitual de comparação livro-filme e caminhando no meu aprendizado, creio que a adaptação foi boa e vale a pena ser vista! Se a leitura do livro anteceder ou proceder a leitura do filme... melhor ainda!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Van Gogh

Diretor: Maurice Pialat
Duração: 158 min
Ano: 1991

Acabo de desligar a tv após quase duas horas de filme. E depois, claro, de ver todos os créditos e de ouvir as músicas que os acompanham (mania, quase um tique!).  Confesso que as duas horas não voaram e que até arrisquei alguns olhares furtivos para o relógio. O ritmo do filme é lento e se você não conhece muito da vida do artista é provável que não veja aonde o filme quer chegar, nem aonde chegou.

Bom que se diga que o filme não tem o objetivo de ser didático, nem tampouco de trazer aos espectadores a biografia do artista. Antes disso, o diretor quis trazer uma abordagem diferente sobre uma época em específico do pintor, fugindo assim do caminho traçado pelas demais obras que o retratam. Para quem já viu as demais, perfeito, acho que só acrescenta. Para quem não as viu (meu caso), o jeito é fazer o caminho inverso e correr atrás delas. Um dos filmes que estou louca pra ver é "Sede de Viver", de 1956. Não deve ser lá tão fácil de baixar, mas papai cinéfilo vai receber a incumbência de procurá-lo.

A obra retrata os dois últimos meses da vida do pintor, quando se muda para Auvers-sur-Oise, vilarejo perto de Paris, durante o qual fica sob os cuidados do Dr. Gachet. O médico é um amante da pintura, motivo pelo qual possui um certo remorso com o destino por não ter lhe dado um talento inerente. De qualquer forma, esse fator une médico e paciente, estreitando-se relações. O filme, ao mesmo tempo que mostra a genialidade do artista, mostra também um Van Gogh problemático, com dificuldades para se relacionar, extremamente crítico e com um humor voraz. Mostra também seu lado boêmio e por que não dizer extravagante, retratado pelas suas idas a Paris, pelas visitas aos bordéis, pelas danças. Outro foco do filme é a relação do artista com seu irmão, Theo, que o sustentava. Por sinal existe um livro que reúne as cartas trocadas pelos dois neste período: "Cartas a Theo". Ainda não o li, mas já entrou para a lista de 2010.

Aqui cabe deixar registrado o anacronismo observado no dia a dia do pintor, que em alguns momentos não tinha sequer o que comer, enquanto que hoje seus quadros são verdadeiras relíquias, cujos preços vêm acompanhado de váários zeros.

Um ponto alto do filme é a fotografia e, por sinal, li em algum lugar que elas teriam tido influências das obras de Renoir e Monet.

Os cortes do filme é que me deixaram com um pé atrás e me deixaram com um crédito para colocar na lista dos "pontos baixos". De fato, a transição entre as cenas às vezes faz com que nos percamos, e algumas coisas ficam sem explicações aparentes (claro, para aqueles que não conhecem a fundo a biografia de Van Gogh). Até mesmo no final, quando comete suicídio, confesso que a princípio não caiu a fixa que ele próprio tinha se dado um tiro. Claro, era informação óbvia, afinal de contas ele é um ícone artístico e não um personagem para o qual se pode criar o final que se deseja. Pelo fato de Pialat ter querido retratar por um ângulo nunca retratado, até mesmo nestes pontos cruciais ele foge do óbvio.

No mais, o filme é bom e vale a penas ser visto, mas vale o aconselho de dar ao menos uma breve pesquisa sobre o ícone antes. O ideal mesmo é assistir aos outros filmes antes, que retratam sua vida de forma mais completa, para daí sim conhecer uma fase mais específica. Mas é isso, já que não fiz desta forma, meu plano agora é ver os demais e depois rever este.

Antes de dar o ponto final a este post, cabe ainda fazer um comentário sobre esta primeira foto que coloquei abaixo. Nela está o pintor com a filha do Dr. Gachet. Se não a mencionei antes é porque creio que ela é um dos instrumentos utilizados pelo diretor para explicitar a personalidade conturbada de Van Gogh. Ela, entretanto, possui brilho próprio. Feminista, corajosa, autêntica e forte. Gostei dela desde a primeira cena em que apareceu. O jeito como fala, como se impõe. Um misto de mimo e de rebeldia motivada pelo conservadorismo e puritanismo da época. O pai, muito embora fosse um liberal, não o era quando se tratava da própria filha. Comum até mesmo nos nossos dias. 

Ponto Final.